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Por que a redução de danos não é indicada para o controle do tabagismo?

Diante do contexto alarmante de casos fatais nos EUA devido à doença pulmonar grave relacionada com os dispositivos eletrônicos para fumar (EVALI), a European Respiratory Society (ERS) elaborou um documento que apresenta sete argumentos sobre por que a redução de danos não deve ser usada como estratégia para o tabagismo.

Com base na revisão da literatura e em concordância com a Convenção Quadro de Controle do Tabaco, da Organização Mundial de Saúde (OMS), o Comitê do Controle do Tabaco da ERS divulgou o artigo “ERS and tobacco harm reduction”, que propõe explicar o conceito de redução de danos e expor suas falhas.

Uma estratégia de redução de danos para fumantes inclui a recomendação do uso de produtos alternativos para a liberação de nicotina, como dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), tabaco sem fumaça ou novos produtos de tabaco aquecido para fumantes, em vez de cigarros convencionais, substituindo um produto muito prejudicial por um produto menos, mas ainda prejudicial. O conceito é intuitivo e, portanto, pode ser muito tentador para fumantes, profissionais de saúde e políticos. Mas, infelizmente, o contexto é muito mais complexo.

De acordo com a ERS, “os pulmões humanos são criados para respirar ar puro, não níveis reduzidos de toxinas e substâncias cancerígena e o corpo humano não deve ser dependente de drogas viciantes. A ERS não pode recomendar nenhum produto prejudicial aos pulmões e à saúde humana como estratégia de base populacional”.

Veja os principais conceitos de redução de danos e porque eles não são válidos:

Argumento 1 – A redução de danos parte da ideia incorreta de que os fumantes não querem parar de fumar ou são incapazes de largar o vício.

De acordo com estudos referenciados pela ERS, a maioria dos fumantes quer parar de fumar e grande parte deles não gosta de ser dependente de nicotina. Hoje, os fumantes consumem menos cigarros por dia, são mais motivados e relatam ser menos dependentes. O tratamento para o tabagismo é eficiente e tem base em evidências científicas.

Argumento 2 – Os defensores da redução de danos se baseiam em estratégias não documentadas de que outras formas alternativas de consumo de nicotina são eficientes para parar de fumar.

Nenhum produto supostamente utilizado para redução de danos foi considerado eficaz na cessação do tabagismo devido à falta de evidências científicas. Um ensaio clínico randomizado de cessação do tabagismo concluiu que o cigarro eletrônico foi duas vezes mais eficiente do que a terapia de reposição de nicotina após um ano de uso. No entanto, 80% das pessoas continuaram usando DEFs e permaneceram dependentes de nicotina.

Por outro lado, 14 dos 15 estudos longitudinais da vida real mostraram que o uso de cigarros eletrônicos minava significativamente a abstinência. Enquanto pesquisas sobre a adoção do cigarro eletrônico como estratégia para parar de fumar não demonstraram efeito.

Argumento 3- A estratégia de redução de danos é baseada no pressuposto incorreto de que os fumantes vão substituir o cigarro convencional por formas alternativas de consumo da nicotina.

Entre 60 a 80% dos usuários dos DEFs continuam fumando. Tampouco foi constatada redução significativa de consumo do cigarro convencional. O uso de ambos ao mesmo tempo também é comum, o que não traz nenhum benefício para a saúde.

Argumento 4: A estratégia de redução de danos erroneamente considera que os DEFs não apresentam malefícios.

Quase todas as pesquisas independentes demonstraram riscos potenciais com o uso dos DEFs. Ainda não há evidências dos danos do uso a longo prazo. Conforme estudos realizados em animais, os aerossóis dos DEFs podem induzir à disfunção celular endotelial aguda e formação de estresse oxidativo.

Experimentos em humanos demonstraram obstrução e desregulação das vias aéreas desregulação da homeostase dos pulmões após uma inalação de curto prazo. Além disso, há evidências moderadas de estudos de base populacional que indicam que o uso desses dispositivos pode aumentar a incidência de tosse, espirro e exacerbações de asma entre adolescentes, ainda que seja inalado de forma passiva.

O tabaco sem fumaça é responsável por grande número de mortes por câncer no mundo. Ainda há poucas informações sobre os efeitos nocivos do uso dos dispositivos de tabaco aquecido (IQOS).  Estudos indicam que o IQOS pode causar alterações nas vias aéreas relacionadas à doença pulmonar crônica.

Argumento 5 – As formas alternativas de liberação de nicotina podem ter um impacto negativo na saúde pública, ainda que isoladamente elas possam ser menos prejudiciais que o cigarro tradicional.

Quando analisamos os prós e contras dos novos DEFs devemos considerar seus impactos para a saúde de toda a população, e não somente para os fumantes. Do ponto de vista de saúde pública, esses produtos podem ter efeito desfavorável, especialmente por causa do aumento do uso de DEFs por pessoas que nunca fumaram e muitas delas vão começar a fumar cigarro convencional. Os produtos com aromas e sabores têm um forte apelo entre crianças e adolescentes. Nos EUA e em alguns países da Europa, o uso dos DEFs já atingiu níveis de epidemia. Por esses motivos, recentemente nos EUA foram instituídas medidas para banir o uso dos saborizantes nos DEFs.

Argumento 6 – Os fumantes veem os DEFs como uma alternativa viável ao uso de serviços de cessação do tabagismo com base em evidências e à farmacoterapia para cessação do tabagismo.

Em paralelo com o aumento do uso de DEFs, foi observada uma diminuição no uso dos serviços de cessação do tabagismo e da farmacoterapia clinicamente testada, indicando que produtos alternativos contendo nicotina podem estar substituindo os tratamentos eficazes de cessação do tabagismo baseados em evidências.

Argumento 7- Uma estratégia de redução de danos pode sugerir, incorretamente, que não somos capazes de vencer a epidemia do tabagismo.  

As medidas em prol do controle do tabaco são consideradas ações de maior sucesso de saúde pública. Países proativos no controle do tabaco observaram queda brusca no número de fumantes. Portanto, sabemos o que funciona. É necessário que haja líderes compromissados em implementar medidas de controle efetivas.

É importante observar que muitos dos profissionais de saúde, especialistas em controle do tabaco e tomadores de decisão têm boas intenções ao sugerirem estratégias de redução de danos. Eles pensam em uma maneira pragmática de aliviar os efeitos devastadores do tabaco para a saúde. No entanto, as boas intenções sempre devem ser acompanhadas de sólidas evidências científicas ao adotar uma estratégia em larga escala.

A redução de danos no tabagismo pode ser reservada para uma minoria de fumantes de alto risco, e não utilizada como uma estratégia de base populacional.

Outro fato que não pode ser ignorado é que os produtos alternativos de fumar são fabricados pela mesma indústria que produz o cigarro convencional. Portanto, há interesse econômico em vender para o máximo de indivíduos possível: fumantes ou não.

Desde a década de 1950, a indústria lança produtos com a promessa de mais segurança para os fumantes: filtros, cigarros light, baixo teor de alcatrão, etc. Nenhum desses adicionais melhorou de fato a saúde dos fumantes.

Quando um fumante para completamente de fumar, ele experimenta muitos benefícios à saúde, pois não há mais exposição a substâncias nocivas. Os fumantes que mudam para produtos alternativos ainda terão uma exposição prolongada a substâncias tóxicas e cancerígenas. Embora reduzida, essa exposição contínua a substâncias tóxicas é uma péssima alternativa para deixar de fumar.


Referência

Pisinger C, Dagli E, Filippidis F, Hedman L, Janson C, Loukides S, Ravara S, Saraiva I, Vestbo J, the ERS Tobacco Control Committee, on behalf of the ERS. ERS and tobacco harm reduction. Eur Respir Journal 2019; 54: 1902009; DOI: 10.1183/13993003.02009-2019.