Postado por Comunicação SBPT há 08/07/2022
O editorial “Fumaça Proibicionista”, publicado na edição de 08/07/2022 da Folha de S. Paulo, defende a ideia de que a “solução racional” seria regulamentar o uso adulto do cigarro eletrônico, se posicionando contra a decisão da Anvisa de manter a proibição desses dispositivos (RDC nº 46/2009).
Por isso, a SBPT escreveu ao ombudsman, Sr. José Henrique Mariante, e à seção de “Tendências/Debates” do jornal solicitando direito de resposta, conforme a carta que segue abaixo.
Acreditamos que o debate sobre o cigarro eletrônico é mais complexo do que os argumentos apresentados. Gostaríamos de lembrar que esses produtos são um novo mercado da indústria do tabaco, a mesma que causa 12% das mortes no mundo por ano, principalmente por doenças respiratórias, circulatórias, cardiovasculares e neoplásicas, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde. Essas indústrias bilionárias introduzem novos produtos no mercado e investem em marketing para o público jovem, com o objetivo de aliciar adictos em nicotina.
Sobre a adicção, desencorajamos o uso do termo “hábito de fumar” para se referir a uma das mais desafiadoras dependências químicas que existem. O termo correto seria “adicto” ou “dependente” de nicotina e outras substâncias dos cigarros eletrônicos e convencionais, o que leva à síndrome de abstinência e desejo de consumir mais o produto.
O texto mencionou o “alto custo social” do proibicionismo, sem levar em conta as profundas raízes de injustiça social da indústria do tabaco, que concentra a produção em países pobres, utiliza mão de obra infantil, coloca em risco a saúde do trabalhador, perpetua a vulnerabilidade e a dependência econômica dos produtores, polui e diminui a área agriculturável para alimentos.
Outro ponto é que as fabricantes não são transparentes com relação à composição de substâncias utilizadas nos dispositivos eletrônicos para fumar. Diferentemente do que aponta o texto, há evidências de que os cigarros eletrônicos contêm cerca de 2 mil componentes químicos, sendo a maioria ainda desconhecida por quem os consome. (Chem Res. Toxicol. 2021).
O autor sugere que a liberação seria para adultos e afirma que “não cabe ao Estado determinar o que indivíduos autônomos decidem sobre o próprio corpo”. No entanto, devemos lembrar quem são as principais vítimas desse consumo. No Brasil, entre escolares de 13 a 17 anos, em média, 16,8% já experimentou cigarro eletrônico (PeNSe, 2019). Na região Centro-Oeste, esse percentual chegou a 23,7%.
Além disso, o Brasil é signatário da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT/OMS) e se compromete a “agir para proteger essas políticas dos interesses comerciais ou outros interesses garantidos para a indústria do tabaco, em conformidade com a legislação nacional”.
Portanto, é dever do Estado, sim, proteger as pessoas da exposição a aditivos tóxicos e cancerígenos e informar devidamente a população sobre os riscos desses produtos.
Como profissionais da saúde, cuidamos de doenças graves causadas pelo tabagismo. Só no campo da Pneumologia, há a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC); o câncer de pulmão; a EVALI (síndrome respiratória aguda causada pelo uso de cigarro eletrônico); além de exacerbações (crises) de asma; exposição ao tabagismo passivo; problemas trombogênicos que levam à embolia pulmonar e muitas outras doenças.
Fica a reflexão, “liberar é melhor para quem?”. Nem mesmo para o Estado é vantajoso. O cigarro convencional, por exemplo, arrecada pouco mais de R$ 12 bilhões de impostos, mas gera R$ 125 bilhões em perdas diretas e indiretas para a saúde.
Por isso, solicitamos à Folha de S. Paulo que nos dê esse direito de resposta.
Cordialmente,
Paulo Corrêa, coordenador da Comissão Científica de Tabagismo SBPT.
Ana Helena Ribas, assessora de Comunicação da SBPT.
Mais referências
SBPT, AMB, CFM e Sociedades Médicas alertam sobre as consequências do uso de Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs).
Posicionamento da SBPT sobre os Dispositivos Eletrônicos Para Fumar (DEFs).