Na última sexta-feira (16/05), o coordenador da Comissão de Asma da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Dr. Emílio Pizzichini, participou do evento “Panorama da Asma Grave”, promovido pela Associação Brasileira de Asma Grave (ASBAG), no Auditório Interlegis do Senado Federal, em Brasília (DF), com transmissão online.
Gratuito e aberto ao público, o encontro reuniu representantes de diversos setores com o objetivo de discutir os desafios e propor soluções para o enfrentamento da asma no Brasil.
A abertura foi marcada pelo depoimento comovente de Raissa Cipriano, mãe de uma criança com asma grave e diretora da ASBAG, que trouxe uma perspectiva humana e real sobre os obstáculos enfrentados por muitas famílias. Ela compartilhou a jornada de sua filha Geovana, diagnosticada com asma grave ainda na infância, enfrentando múltiplas internações e dificuldades no acesso a tratamentos adequados.
“Eu não preparei uma apresentação formal, mas quero falar como mãe, porque a asma grave não é só uma doença, é uma realidade que transforma vidas e famílias. Minha filha passou por hospitalizações constantes, crises que poderiam ter sido evitadas com diagnóstico precoce e tratamento adequado. A asma grave afeta profundamente a qualidade de vida, e só conseguimos controlar a doença com muita luta, conhecimento e suporte. Precisamos que políticas públicas garantam acesso a diagnóstico, tratamento especializado e medicamentos modernos, para que outras famílias não passem pelo mesmo sofrimento”, compartilhou.
Na sequência, o Dr. Emílio Pizzichini apresentou um panorama sobre a prevalência da asma no Brasil e no mundo, classificando-a como uma “epidemia moderna”, com estimativas globais de até 300 milhões de casos até 2050. No Brasil, os números podem ultrapassar 10 milhões de pessoas, sendo o subdiagnóstico um dos principais entraves. “Existe muita gente com asma que nem sabe que tem. Isso é um dos grandes desafios que precisamos enfrentar”, alertou.
O especialista também compartilhou dados de estudos realizados em Florianópolis com adolescentes, entre 2001 e 2012, que evidenciam aumento nos sintomas e no diagnóstico da asma — tendência que ele atribui ao maior reconhecimento da doença por profissionais de saúde e familiares: “Saímos da ideia de que a criança só tem bronquite para assumir que ela tem asma — e isso é um avanço no diagnóstico”, afirmou.
Sobre a asma grave, o Dr. Pizzichini destacou que cerca de 3% dos asmáticos brasileiros se enquadram nesse perfil, o que representa aproximadamente 300 mil pessoas. Contudo, menos de 8 mil recebem medicamentos biológicos, o que revela uma lacuna significativa no acesso ao tratamento adequado. “Quando falamos de asma grave, falamos de um comprometimento real da qualidade de vida, comparável ao de doenças como a DPOC grave ou a insuficiência cardíaca”, frisou.
Em seguida, o Dr. Marcelo Nunes Cardoso propôs uma experiência empática ao convidar o público a prender a respiração por alguns segundos, simulando a sensação de falta de ar vivida por pacientes com asma grave. “É isso que um paciente com asma grave sente, todos os dias. Precisamos olhar para esse sofrimento com empatia”, salientou e alertou para a ausência de protocolos clínicos, a baixa capacitação na Atenção Primária, a desigualdade no acesso ao tratamento e a falta de planejamento de longo prazo.
Como exemplo de superação desses desafios, apresentou a experiência bem-sucedida do município de Itapetininga (SP), onde foi implantada uma linha de cuidado para a asma grave. “Capacitamos médicos e equipes da Atenção Primária, formamos agentes comunitários para o acompanhamento domiciliar dos pacientes e criamos fluxos assistenciais integrados, com participação ativa dos farmacêuticos na orientação sobre os medicamentos”, relatou.
Cardoso também compartilhou a estruturação de protocolos locais para uso de imunobiológicos, garantindo o armazenamento adequado e a aplicação segura dessas terapias. “Em dois anos e meio, não perdemos uma única dose — o que é impressionante, considerando a complexidade e o custo dessas medicações”, comemorou.
O município também participa do projeto nacional de telespirometria, desenvolvido pelo Ministério da Saúde em parceria com a UFMG, que possibilita a realização de espirometria em localidades sem pneumologistas. “Com treinamento local e laudos a distância, conseguimos ampliar o acesso com qualidade.”, explicou.
Outro destaque foi a criação de um centro de atendimento a pacientes com asma grave em um ambulatório estadual, fora do ambiente universitário. “Mostramos que é possível montar um serviço de excelência mesmo em contextos mais limitados, desde que haja organização e apoio da gestão”, concluiu.
Dando seguimento, a pneumologista Dra. Ângela Ronda complementou as discussões com uma análise das barreiras à incorporação de novas tecnologias no SUS.
Ela relembrou o histórico da asma nos processos da CONITEC e do PCDT, destacando lacunas como a ausência, no primeiro protocolo (2013), de dispositivos em spray adaptados para crianças pequenas. “Isso mostra a importância de diálogo entre quem elabora os documentos e quem está na linha de frente da assistência”, destacou. E apontou entraves entre a recomendação e a efetiva implementação. “Tivemos uma incorporação de imunobiológico que demorou dois anos para chegar aos pacientes. Essa demora é uma barreira crítica.”, complementou.
Ela também alertou que a atualização do PCDT com os imunobiológicos recomendados em 2023 ainda não foi publicada, apesar do prazo legal de 180 dias. E enfatizou que a publicação oficial é apenas o início. “O acesso real exige estrutura adequada, capacitação das equipes e logística para a aplicação das medicações, especialmente na Atenção Primária”, explicou.
Para a Dra. Ângela, uma política nacional de asma, com diretrizes claras, recursos definidos e integração dos serviços, é urgente. “Hoje, muito do que fazemos é um trabalho de formiguinha. Precisamos de uma estratégia horizontal que leve essa estrutura e esse conhecimento a todos os territórios”, concluiu.
O encerramento do evento ficou a cargo do Dr. Rômulo Marques, diretor financeiro da Federação Brasileira das Associações de Doenças Raras (FebraRaras), que trouxe uma reflexão sobre o papel das Organizações da Sociedade Civil (OSCs). “O tempo é pulmão. Pulmão é função. E função é vida. Saio daqui com essa consciência reforçada”,declamou.
Ressaltando a importância vital da função pulmonar, ele lembrou passagens bíblicas para ilustrar o valor da respiração e destacou a importância do advocacy e da escuta ativa dos pacientes. “São as associações que esclarecem, mobilizam e representam demandas reais. Nosso conselho deliberativo é formado por pessoas que vivem essa realidade em seus estados”, lembrou.
Rômulo também compartilhou sua vivência pessoal como pai de um jovem com hemofilia. “Enquanto ele ajusta a vida dele, posso estar aqui. Mas muitos não têm essa condição. Precisam enfrentar a doença e se profissionalizar para defender seus próprios direitos. Lutam duas vezes”, refletiu.
Por fim, defendeu o fortalecimento do marco regulatório das OSCs (Lei 13.019/2014) como instrumento de avanço institucional. “São mecanismos como os termos de colaboração e os chamamentos públicos que reconhecem nosso papel. Mas a velocidade da política pública ainda precisa acompanhar a urgência dos pacientes”, arrematou.