A Comissão Científica de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) contestou uma afirmação publicada em artigo do periódico The Lancet, que havia minimizado os riscos do tabagismo para o desenvolvimento de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC).
A DPOC é caracterizada por enfisema pulmonar e bronquite crônica. Trata-se de uma doença potencialmente incapacitante, na qual há perda progressiva da função pulmonar e que, em 80% dos casos, é causada pelo tabagismo. Segundo a Global Initiative For Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD), a DPOC é a quarta causa de morte da população global.
No Brasil, de acordo com o DATASUS, de janeiro a abril de 2023, 2.589 pessoas morreram por Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica.
A carta ao Lancet foi uma resposta à afirmação “fatores de risco não relacionados ao tabaco são cada vez mais responsáveis pelo impacto da DPOC e provavelmente ultrapassarão o risco atribuível a fumar nas próximas duas décadas”, presente no artigo “Commission on chronic obstructive pulmonary disease (COPD)”, de Daiana Stoltz et. al. ¹
“Esta sentença não considera questões já pontuadas pela literatura médica, como: os custos com serviços médicos para pacientes com DPOC que continuam fumando, o subdiagnóstico da DPOC relacionada ao tabagismo na atenção primária e a potencialização do risco de DPOC por uso associado de cigarro eletrônico”, observa o Dr. Paulo Corrêa, coordenador da Comissão Científica de Tabagismo da SBPT e autor da contestação. “É importante desmentir afirmações como essa para evitar que se perca financiamentos importantes de estratégias de controle do tabagismo com foco na prevenção da DPOC”, completa.
Na pesquisa “Projecting Long-term Health and Economic Burden of COPD in the United States”, publicada no CHEST Journal², Zafari e outros autores concluíram que os custos com consultas médicas atribuíveis à continuação do tabagismo após o diagnóstico de DPOC foram de 34% do total de gastos com DPOC. Além disso, 35% dos custos foram relacionados ao absenteísmo indireto e 37%, às perdas de anos de vida ajustados pela qualidade de vida ao longo dos anos.
Este estudo projetou o impacto da DPOC na economia e saúde dos Estados Unidos por 20 anos, considerando o período entre 2019 e 2038. Nos EUA, a DPOC é a principal causa de morte da população.
“O subdiagnóstico da DPOC também é um fato. Em uma triagem feita com pacientes canadenses com histórico de mais de 20 anos-maço, apenas 32,7% estavam cientes do diagnóstico de DPOC antes das espirometrias realizadas pelos cientistas. Os resultados foram publicados no Canadian Medical Association Journal³. Outro estudo do British Medical Journal também descobriu que o diagnóstico de DPOC na atenção primária geralmente ocorre tardiamente e que os pacientes não completam o tratamento4”, informa o Dr. Paulo Corrêa.
O pneumologista lembrou, ainda, que a venda de cigarros eletrônicos descartáveis aumentou consideravelmente nos EUA entre 2019 e 2020 e que o risco de desenvolver DPOC por cigarros combustíveis é duplicado quando combinado com o uso de cigarro eletrônico. Além disso, o uso de cigarros eletrônicos por pessoas que nunca fumaram pode triplicar o risco de DPOC autorreferida5.
No Brasil, o estudo Platino estimou que 15,8% dos adultos com mais de 40 anos de idade da cidade de São Paulo tinham DPOC6. A DPOC pode ser diagnosticada pela espirometria, um exame simples e de baixo custo, que deve ser analisado e laudado por um médico pneumologista.
Referências
1 – Stolz D, Mkorombindo T, Schumann DM, et al. Towards the elimination of chronic obstructive pulmonary disease : a Lancet Commission. Lancet 2022; 400: 921–72.
2 – Zafari Z, Li S, Eakin MN, Bellanger M, Reed RM. Projecting long-term health and economic burden of COPD in the United States. Chest 2021; 159: 1400–10.
3 – Hill K, Goldstein RS, Guyatt GH, et al. Prevalence and underdiagnosis of chronic obstructive pulmonary disease among patients at risk in primary care. CMAJ 2010; 182: 673–78.
4 – Van Schayck CP, Loozen JMC, Wagena E, Akkermans RP, Wesseling GJ. Detecting patients at a high risk of developing chronic obstructive pulmonary disease in general practice: cross sectional case finding study. BMJ 2002; 324: 1370–75.
5 – Leventhal AM, Dai H, Barrington-Trimis JL, Tackett AP, Pedersen ER, Tran DD. Disposable e-cigarette use prevalence, correlates, and associations with previous tobacco product use in young adults. Nicotine Tob Res 2022; 24: 372–79.
6 – Menezes AMB, et al. Chronic obstructive pulmonary disease in five latin american cities (the PLATINO study): a prevalence study. Lancet 2005; 366:1875-81.