Fechar

Busca no site:

Nota de posicionamento sobre o manejo da fibrose cística diante da COVID-19

NOTA DE POSICIONAMENTO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA EM CONJUNTO COM O GRUPO BRASILEIRO DE ESTUDOS DA FIBROSE CÍSTICA

Brasília, 16 de abril de 2020.

Diante do cenário atual de enfrentamento à pandemia do SARS-CoV-2 (Covid-19), diversas dúvidas e preocupações têm surgido em relação ao manejo das doenças respiratórias crônicas como a fibrose cística. A fibrose cística é uma doença genética que acomete seus portadores desde o nascimento e requer intensos cuidados relacionados à saúde, assim como diversas modalidades terapêuticas, tanto na faixa etária pediátrica como adulta.

Diante disso, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), em parceria com o Grupo Brasileiro de Estudos da Fibrose Cística (GBEFC), vem a público esclarecer alguns pontos essenciais tanto para os profissionais de saúde como para pacientes e familiares de portadores de fibrose cística, com intuito de orientar as ações necessárias para melhor lidar com este período de pandemia:

  1. O portador de fibrose cística deve ser considerado como parte do grupo de risco para complicações relacionadas à infecção pelo novo coronavírus por se tratar de uma doença multissistêmica, com relevante comprometimento da função pulmonar. Entretanto, é importante ressaltar que poucos casos de Covid-19 foram relatados até o momento em portadores de fibrose cística, não sendo possível estimar o real impacto da infecção por SARS-CoV-2 nestes pacientes. A maior parte dos casos de pacientes com doença pulmonar infectados pelo SARS-CoV-2 descrita nos estudos publicados envolvia portadores de doença pulmonar crônica (DPOC) e asma. Além disso, existe uma clara sinalização de que a Covid-19 está relacionada a manifestações mais graves, sobretudo na faixa etária acima de 60 anos.
  2. Todo tratamento habitualmente realizado pelo paciente com fibrose cística deve ser mantido durante a pandemia. É importante ressaltar que uma das melhores formas de combater um quadro infeccioso é estar com sua condição pulmonar mais estável possível. Diante disso, reforçamos a necessidade de manter as inalações, medicamentos orais, manobras de higiene brônquica, fisioterapia, atividade física e nutrição adequada, ou seja, todas as recomendações regularmente prescritas devem ser observadas.
  3. Os pacientes com fibrose cística devem seguir as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde de isolamento social. No momento, não é possível determinar por quanto tempo será necessário manter este isolamento uma vez que esta decisão depende da reavaliação epidemiológica que se encontra em constante evolução. O paciente deve evitar aglomerações e viagens durante o período da pandemia.
  4. A realização de consultas ambulatoriais, internações e exames diagnósticos eletivos deve ser avaliada caso a caso, sendo que esta avaliação cabe ao centro de referência ou médico que acompanha o paciente. Sempre que possível, recomenda-se que estes procedimentos sejam adiados para um momento epidemiológico mais oportuno. Contudo, em situações que as consultas médicas sejam absolutamente necessárias, estas devem ser mantidas e as medidas para prevenção de contágio para o SARS-CoV-2 devem ser tomadas. Caso o centro de referência tenha o serviço de teleconsulta à disposição, esta via poderá ser usada.

a. Caso o paciente precise procurar serviço de saúde ou realizar alguma atividade essencial fora de casa, reforçamos as medidas de prevenção orientadas pelo Ministério da Saúde:

  1. Manter distância de pelo menos 2 metros de outras pessoas.
  2. Ter uma boa higiene das mãos.
  3. Evitar contato das mãos com mucosas da boca, nariz e olhos.
  4. Usar máscara cirúrgica ou de pano (todo paciente com fibrose cística deve regularmente usar máscaras ao ingressar em unidades de saúde para evitar contaminação das vias aéreas por bactérias. Durante a pandemia, além desse objetivo, a máscara tem função de evitar disseminação do vírus em portadores assintomáticos). Não é necessário o uso de máscaras N95.

b. Durante a pandemia, exames de função pulmonar eletivos devem ser desencorajados, conforme nota técnica publicada pela SBPT.

c. Durante a pandemia, exames de escarro de vigilância devem ser desencorajados, a não ser que o paciente apresente sinais e sintomas de exacerbação pulmonar infecciosa. Nos pacientes pediátricos com necessidade de coleta de swab de orofaringe para vigilância de colonização por Pseudomonas aeruginosa, os pacientes devem entrar em contato com seu centro de referência para avaliação da rotina estabelecida durante a pandemia.

5. Caso o paciente com fibrose cística apresente sintomas de exacerbação pulmonar, os centros de referência e unidades de saúde devem manter todo suporte de atendimento necessário, respeitando as medidas de prevenção de contágio viral, tanto para o paciente como para a equipe de saúde.
a. Se disponível, o portador de fibrose cística deverá incialmente procurar atendimento junto à equipe do seu centro de referência. Na indisponibilidade, o paciente deverá procurar assistência no serviço de emergência de sua referência.
b. Como os sintomas de exacerbação pulmonar infecciosa da fibrose cística podem ser confundidos com os sintomas de Covid-19, os pacientes devem ser considerados como casos suspeitos para infecção pelos SARS-CoV-2 e todas medidas de prevenção de transmissão tomadas. Entretanto, é importante ressaltar que todo suporte habitualmente orientado a estes pacientes, como realização de exame de escarro e prescrição de antibióticos guiados por culturas prévias, devem ser mantidos.

6. Em caso de suspeita de infecção pelo SARS-CoV-2, somente pacientes que necessitem de internação devem realizar o teste diagnóstico de identificação viral (PCR-RT) ou sorológico, conforme recomendação atual do Ministério da Saúde, diante a escassez de disponibilidade de testes diagnósticos. Essa recomendação poderá ser alterada conforme orientação das autoridades regulatórias e de acordo com a evolução do cenário epidemiológico.

7. Os centros de referência devem manter o fornecimento habitual dos medicamentos destes pacientes. Recomenda-se ao portador de fibrose cística e seus familiares que a retirada dos medicamentos seja realizada por alguém fora do grupo de risco, sempre que possível. Caso haja necessidade de o paciente retirar seus remédios, medidas de prevenção devem ser tomadas conforme descrito anteriormente.

8. Pacientes com necessidade de uso crônico de ibuprofeno em altas doses devem manter o uso deste medicamento ou entrar em contato com sua equipe médica de referência. Até o momento, não existem evidências concretas de que o ibuprofeno possa interferir negativamente na evolução da infecção pelo SARS-CoV-2.

9. Pacientes com suspeita ou confirmação de infecção por SARS-CoV-2 e que não possuam indicação de internação devem manter seus tratamentos em domicílio e adotar medidas de prevenção contra a transmissão do vírus para outros familiares. Recomenda-se o uso de máscara aos pacientes com infecção por SARS-CoV-2, quando este estiver no mesmo ambiente com outras pessoas. A realização de nebulizações e fisioterapia respiratória deve ser realizada em quarto isolado, com boa ventilação, para evitar disseminação do vírus, uma vez que são atividades associadas a formação de aerossóis.

10. Embora não proteja contra a infecção pelo novo coronavírus, reforçamos a necessidade de todo paciente receber a vacina anual para influenza durante o período de campanha vacinal.

Comissão Científica de Fibrose Cística da SBPT.

Diretoria da SBPT e Diretoria do GBEFC.


Referências

  1. Zhou F, Yu T, Du R et al. Clinical course and risk factors for mortality of adult inpatients with COVID-19 in Wuhan, China: a retrospective cohort study. Lancet. https://doi.org/10.1016/S0140- 6736(20)30566-3.
  2. Wang D, Hu B, Hu C, et al. Clinical Characteristics of 138 Hospitalized Patients with2019 Novel Coronavirus-Infected Pneumonia in Wuhan, China. JAMA. Published online February 07, 2020. doi:10.1001/jama.2020.1585
  3. Tellier R, Li Y, Cowling BJ, Tang JW. Recognition of aerosol transmission of infectious agents: a commentary. BMC Infec Dis 2019. 31; 19(1):101. doi: 10.1186/s12879-019-3707-y.
  4. Athanazio R, Silva Filho LVRF, Vergara AA et al. Diretrizes brasileiras de diagnóstico e tratamento da fibrose cística. J Bras Pneumol. 2017 May-Jun;43(3):219-245. doi: 10.1590/S1806-37562017000000065.

Clique aqui para baixar esta nota em PDF.