Dia 5 de maio é a data mundial de lembrança da hipertensão pulmonar, doença grave, progressiva e que pode ser incapacitante, caso não seja identificada precocemente.
“Define-se hipertensão pulmonar (HP) como uma elevação da pressão média de artéria pulmonar a valores superiores a 20 mmHg, em repouso, aferida através de medida hemodinâmica invasiva. A prevalência da doença é de cerca de 10 casos/milhão de habitantes. Eventualmente, a HP pode ser fatal, caso não seja tratada adequadamente”, informa o Dr. Caio Júlio Cesar Fernandes, coordenador da Comissão de Circulação da SBPT.
Neste artigo, o especialista oferece instruções sobre as estratégias de avaliação do paciente, quando suspeitar, como rastrear, a sequência diagnóstica proposta pela OMS e de que forma confirmar o diagnóstico.
A avaliação de um paciente com suspeita de hipertensão pulmonar requer uma sequência de procedimentos diagnósticos, com o objetivo de:
- Confirmar o diagnóstico.
- Esclarecer a etiologia da hipertensão pulmonar e classificar a doença em um dos 5 grupos propostos pela atual classificação da Organização Mundial de Saúde (OMS).
- Avaliar o grau de acometimento funcional e hemodinâmico e, eventualmente, predizer a potencial resposta à terapêutica específica.
Quadro clínico e suspeita inicial
Os sintomas de hipertensão pulmonar são inespecíficos, e incluem dispnéia, principalmente aos esforços, fadiga, astenia, síncope, edema de membros inferiores e distensão abdominal. Sintomas em repouso em geral surgem apenas nos casos mais avançados da patologia.
A história familiar de hipertensão pulmonar pode sugerir a presença da doença no contexto de surgimento de dispnéia aos esforços, bem como o antecedente de uso de anorexígenos, principalmente os anfetamínicos e derivados. Dados epidemiológicos também podem contribuir com a elucidação da etiologia da hipertensão pulmonar, como a procedência de pacientes provenientes de áreas com alta incidência de esquistossomose.
Em determinadas situações, quando o paciente com hipertensão pulmonar apresenta co-morbidades associadas, tais como doenças do tecido conectivo ou patologias hepáticas, os sintomas são frequentemente interpretados como pertencendo ao quadro clínico destas condições, e o diagnóstico de hipertensão pulmonar é negligenciado. Nestas situações, é fundamental considerar o diagnóstico de hipertensão pulmonar.
Dessa forma, caso haja o surgimento de dispnéia aos esforços em pacientes com doenças do tecido conectivo, doenças hepáticas ou da tireóide e em portadores de anemias hemolíticas ou HIV, condições sabidamente co-relacionadas à patologia, a eventual presença de hipertensão pulmonar deve ser avaliada por algum método de propedêutica armada.
Os sinais clínicos de hipertensão pulmonar incluem acentuação do desdobramento da segunda bulha cardíaca, sopro pansistólico compatível com regurgitação tricuspídea, sopro diastólico compatível com insuficiência da valva pulmonar e presença de terceira bulha, decorrente da sobrecarga do ventrículo direito.
Estase jugular, hepatomegalia e má perfusão periférica indicam estágios mais avançados da patologia, já com acometimento mais significativo da função ventricular direita.
O exame clínico também pode auxiliar na identificação da etiologia da doença. Telangectasias, úlceras digitais e esclerodactilia são encontradas na esclerodermia, enquanto crepitação grossa pode eventualmente sugerir patologias intersticiais pulmonares.
Presença de estigmas de insuficiência hepática como “spiders”, atrofia testicular e eritema palmar pode sugerir hipertensão porto-pulmonar. Baqueteamento digital pode estar presente em cardiopatias congênitas e na doença pulmonar obstrutiva crônica.
Exames para avaliação inicial de dispnéia e seu papel na avaliação da hipertensão pulmonar
A radiografia de tórax é normal em 90% dos casos com hipertensão arterial pulmonar idiopática, no momento do diagnóstico. Possíveis achados radiológicos na hipertensão pulmonar são: a dilatação do tronco da artéria pulmonar, bem como do contorno do átrio e do ventrículo direito.
A radiografia simples de tórax permite a identificação de doenças do parênquima pulmonar, sugerindo hipertensão pulmonar oriunda do grupo III da OMS, e pode ainda sugerir a presença de congestão pulmonar, sugerindo hipertensão pulmonar venosa decorrente de doença cardíaca esquerda (grupo II da OMS).
A espirometria, bem como a medida de volumes pulmonares e a medida da difusão de CO tem como papel básico neste contexto excluir doenças de via aérea ou do parênquima pulmonar como causa da dispnéia. Em pacientes com hipertensão pulmonar a difusão encontra-se pouco reduzida (entre 40 e 80% do normal), com uma redução proporcional dos volumes pulmonares.
Eventualmente, pequenos distúrbios ventilatórios obstrutivos podem estar presentes. Dados da prova de função pulmonar podem sugerir ainda como causa da hipertensão o diagnóstico de DPOC ou de pneumopatias intersticias.
A polissonografia, caso o paciente apresente sintomas compatíveis com apneia obstrutiva do sono (hipertensão arterial sistêmica, sonolência diurna excessiva) também pode contribuir com a elucidação da potencial causa de hipertensão pulmonar.
O eletrocardiograma pode sugerir hipertensão pulmonar quando o paciente apresenta sinais de hipertrofia ventricular direita (87% dos casos) e sobrecarga atrial direita. O desvio do eixo para a direita está presente em 79% dos casos. No entanto, o eletrocardiograma apresenta sensibilidade (55%) e especificidade (70%) insuficientes para ser uma ferramenta de rastreamento adequada neste contexto.
Caso haja a suspeita de hipertensão pulmonar, alguns exames séricos estão indicados na avaliação inicial da doença: o hemograma pode sugerir a presença de anemias hemolíticas, uma possível etiologia da doença, distúrbios da tireóide também já forma co-relacionados com doenças da circulação pulmonar e sempre devem ser avaliados com dosagem de TSH e T4livre, sorologias de hepatite B e C auxiliam na identificação de síndromes porto-pulmonares, bem como sorologia para HIV, já que em torno de 0,5% dos pacientes com HIV desenvolvem hipertensão pulmonar.
A pesquisa de auto-anticorpos to tipo fator anti-núcleo (FAN) deve ser realizada como rastreamento para doenças do tecido conectivo. Outros exames de sangue podem ser realizados no sentido de graduar a intensidade da doença e podem servir como prognóstico e seguimento, tais como o ácido úrico (marcador de disfunção endotelial) e o peptídeo cerebral natriurético (BNP), bem como a sua forma não clivada NT-pro-BNP, marcadores de sobrecarga ventricular volêmica.
Em casos de hipertensão pulmonar associada à embolia crônica a pesquisa de trombofilias tais como anticorpos anti-cardiolipina, anti-fosfolípides, mutação do gene da protrombina ou presença do fator V de Leiden são mandatórias.
Ecocardiograma
O ecocardiograma transtorácico é o exame inicial de eleição para o rastreamento e detecção de hipertensão pulmonar. É um exame não invasivo, de fácil realização, reprodutível, barato e pouco desconfortável para o paciente. Permite estimar a pressão sistólica da artéria pulmonar, através da equação de Bernoulli simplificada (4 x velocidade do jato de regurgitação da tricúspide elevado ao quadrado + pressão estimada de átrio direito).
No entanto, há uma possibilidade de erro nestes valores de até 20%, sendo boa parte desta variabilidade decorrente da imprecisão empregada para estimar a pressão de átrio direito. Dessa forma, a tendência atual da literatura é a de considerar-se isoladamente o valor da velocidade do jato de regurgitação da tricúspide e avaliar a probabilidade do paciente apresentar hipertensão pulmonar com base neste valor.
Assim, classifica-se o paciente como: hipertensão pulmonar improvável, se este valor for inferior a 2,8 m.s -1 (equivalendo à pressão sistólica de artéria pulmonar inferior a 36 mmHg); hipertensão pulmonar possível: velocidade entre 2,9 e 3,4 m.s -1 (pressão entre 37 e 50) velocidade inferior a 2,8 m.s -1 mas na presença de achados indiretos de hipertensão pulmonar, descritos adiante; e hipertensão pulmonar provável: velocidade superior a 3,4 m.s -1 (pressão maior que 50).
O ecocardiograma também permite avaliar outros parâmetros sugestivos de hipertensão pulmonar, além do valor isolado da pressão: aumento da dimensão das cavidades cardíacas e da espessura ventricular direita, a presença de derrame pericárdico, dilatação do tronco da artéria pulmonar e a retificação do septo interventricular ou a sua movimentação paradoxal.
No entanto, pelas características complexas da geometria do ventrículo direito, ao contrário do que acontece na avaliação da função ventricular esquerda, os métodos padronizados para a quantificação da função ventricular estão menos estabelecidos. Assim, formas indiretas de avaliação da função ventricular direita podem ser empregados, tais como o índice TAPSE (magnitude da excursão do anel tricuspídeo durante a sístole, um TAPSE inferior a 1,5 cm sugere comprometimento da função ventricular direita), e o índice TEI (Tempo de contração isovolumétrica + Tempo de relaxamento isovolumétrico/Tempo de ejeção. Um índice TEI superior a 0.40 indica anormalidade na função ventricular direita).
Outra utilidade do ecocardiograma é a de caracterizar as doenças cardíacas que cursam com elevação das pressões nas cavidades direitas de forma indireta (patologias valvares, doenças miocárdicas e pericárdicas primárias, e cardiopatias congênitas).
Métodos para avaliação de embolia pulmonar
A cintilografia pulmonar deve ser realizada em todo paciente com hipertensão pulmonar para identificar casos de embolia pulmonar crônica, passíveis de tratamento cirúrgico.
Este método ainda permanece como método de escolha para a pesquisa de embolia pulmonar dada a sua maior sensibilidade, quando comparada com a angio-tomografia de tórax. Esta, por sua vez, apresenta a vantagem de permitir a avaliação do parenquima pulmonar concomitantemente à avaliação da circulação pulmonar, e ambos podem ser métodos complementares na avaliação do paciente com hipertensão pulmonar.
Outros métodos radiológicos
A ressonância magnética cardíaca permite uma avaliação mais precisa do tamanho e da função do ventrículo direito. Alem disso permite uma avaliação não invasiva do débito cardíaco e ganha cada vez maior papel na avaliação inicial e no seguimento dos pacientes hipertensão pulmonar.
A ultrassonografia de abdome está indicada nos casos suspeitos de hipertensão porto-pulmonar e para pacientes provenientes de zona endêmica para esquistossomose.
A tomografia de impedância elétrica, método de avaliação funcional da circulação pulmonar e da interação ventilação/perfusão também vem sendo utilizada nos casos de hipertensão pulmonar e pode apresentar resultados promissores em um futuro próximo.
Cateterismo Cardíaco Direito
Apesar de todo o avanço nos métodos radiológicos para avaliação de pacientes com hipertensão pulmonar, o cateterismo cardíaco direito ainda é o exame mais importante para o manejo desta patologia e mandatório para a confirmação diagnóstica da mesma. Em centros experientes a taxa de complicação deste procedimento é de 1%, sendo 0,5% a mortalidade associada ao mesmo.
Devem ser avaliados durante o cateterismo cardíaco: a pressão de artéria pulmonar, a pressão de átrio direito, a pressão de oclusão de artéria pulmonar e o débito cardíaco (medido pelo método de Fick ou pela termodiluição), com cálculo da resistência vascular pulmonar subseqüente. Tais dados tem, além de importância para o diagnóstico, importante implicação prognóstica.
Outro papel do cateterismo cardíaco é o de classificar os casos em hipertensão pulmonar pré-capilar (quando a pressão de capilar pulmonar for inferior a 15 mmHg, grupos I, III, IV e algumas patologias do grupo V da OMS) ou pós-capilar, nos casos decorrentes de disfunção diastólica do ventrículo esquerdo (grupo II). Esta classificação direciona o tratamento da patologia, sendo o uso de diuréticos a principal medida a ser implementada neste último grupo.
No casos de hipertensão arterial pulmonar, o cateterismo inicial diagnóstico deve ser acompanhado de um teste de vasoreatividade, para identificar o subgrupo de pacientes capaz de beneficiar-se da terapêutica de longo prazo com bloqueadores de canais de cálcio. Estes pacientes representam cerca de 15% dos pacientes com hipertensão pulmonar idiopática, sendo que apenas a metade destes mantém resposta sustentada à terapêutica.
Entretanto, este passo é fundamental no manejo destes casos pois o seu prognóstico é muito superior às outras formas da doença, e o uso de bloqueadores de canais de cálcio, classe de drogas barata, segura e eficaz é a principal modalidade a deve ser usada nesta população, e quando e em altas doses, apenas nesta população, já tendo sido demonstrado efeitos deletérios do seu uso no grupo dos não respondedores.
O teste de vasoreatividade deve ser realizado com drogas de meia-vida curta, seguras, de fácil administração e com pouco efeito sistêmico. Atualmente o agente mais utilizado é o oxido nítrico (NO) inalatório, na dose de 10 a 80 partes por milhão. Também podem ser utilizados epoprostenol ou adenosina.
Alguns relatos já descreveram o uso de iloprost e de sildenafil como agentes viáveis para o teste de vasodilatação, mas tais dados carecem ainda de reafirmação na literatura. Considera-se positiva a resposta ao teste se houver queda da pressão media de artéria pulmonar superior a 10 mmHg, atingindo valores menores que 40 mmHg, com aumento ou manutenção do débito cardíaco.
Conclusão – Algoritmo diagnóstico
Sinais/sintomas/história familiar/condições associadas, compatíveis e/ou sugestivos de hipertensão pulmonar (HP):
Passo A
Ecocardiograma: Se HP possível ou provável: Descartar doenças dos grupos II (disfunção ventricular esquerda) e III (doenças do parênquima pulmonar) – Considerar ECG, espirometria, radiografia ou tomografia de tórax.
Passo B
Se grupo II e III descartados:
Descartar grupo IV (HP associada à doença tromboembólica crônica: cintilografia V/Q. Se positiva para TEP: considerar avaliação para tratamento cirúrgico (tromboendarterectomia pulmonar).
Passo C
Grupo II, III e IV descartados:
Cateterismo cardíaco direito. Se pressão media de artéria pulmonar superior a 25 mmHg e pressão de oclusão de artéria pulmonar inferior a 15mmHg – Confirmado o diagnóstico de HP.
Passo D
Se HP:
D.1. Teste de vasoreatividade (durante o cateterismo): se positivo – iniciar a terapêutica com bloqueador de canais de cálcio em alta dose, se negativo – considerar terapêutica específica para HP.
D.2 – Identificação da etiologia: pesquisa de auto-imunidade, sorologia de hepatite B, C e HIV, hemograma, TSH, T4livre, considerar USOM de abdome (se porto-pulmonar ou esquistossomose), considerar polissonografia (se sintomas de apneia).
Informações: Dr. Caio Júlio Cesar Fernandes, coordenador da Comissão de Circulação da SBPT.