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Cigarros eletrônicos: Audiência Pública na Câmara dos Deputados expõe impactos econômicos e riscos à saúde

Na última quarta-feira (13/11), o secretário-geral da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Dr. Ricardo Martins, e o coordenador da Comissão Científica de Tabagismo da SBPT, Dr. Paulo Corrêa, participaram de uma audiência pública promovida pela Comissão de Indústria, Comércio e Serviços da Câmara dos Deputados para discutir os impactos econômicos da comercialização ilegal de cigarros eletrônicos no Brasil.

Proposta pelo deputado Heitor Schuch (PSB/RS), a audiência reacendeu o debate sobre a liberação dos dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), com foco nos impactos econômicos do contrabando desses produtos e nos custos do tabagismo para a saúde pública e a economia.

Diversos outros atores contribuíram para o debate, incluindo o diretor do Centro das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (CIERGS), Diogo Paz Bier, representando a Confederação Nacional da Indústria (CNI); a diretora-geral da ACT Promoção da Saúde, Mônica Andreis; o diretor-executivo do Instituto Livre Mercado (ILM), Rodrigo Marinho; a gerente de Comunicação de Programas Sênior na Vital Strategies, Tainá Costa; o secretário executivo do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e à Delimitação de Propriedade Intelectual da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), Andrey Lucas Macedo Corrêa; e a gerente de Relações Governamentais da Japan Tobacco International, Beatriz Gagliardo.

Para o deputado Heitor Schuch, do ponto de vista econômico, a importação e a comercialização de dispositivos eletrônicos para fumar ocorrem à margem do sistema tributário, gerando significativas perdas de arrecadação. “De acordo com um estudo da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, o mercado potencial dos cigarros eletrônicos no Brasil pode atingir R$ 7,5 bilhões anuais. A arrecadação média de impostos federais, considerando apenas a importação, poderia chegar a R$ 2,2 bilhões. Além disso, a regularização desse mercado poderia criar cerca de 115 mil empregos, sendo 55 mil apenas na agricultura”, argumentou o parlamentar.

Por outro lado, especialistas em saúde presentes na audiência alertaram que essa visão negligencia os custos econômicos do tabagismo para o sistema de saúde e a economia nacional. Segundo dados de 2023 do Instituto de Educação e Ciências em Saúde (IECS), o tabagismo convencional gera um custo anual de aproximadamente R$ 153,5 bilhões aos cofres públicos, considerando gastos médicos diretos e indiretos, o que equivale a 1,55% do PIB brasileiro.

De acordo com o coordenador da Comissão Científica de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Dr. Paulo Corrêa, o tabagismo é o principal fator de risco para a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), uma condição que vai além de um problema respiratório, representando uma crise econômica e social que afeta milhões de pessoas em idade economicamente ativa.

“É alarmante que uma doença tão incapacitante, que causa mais problemas do que as doenças cardíacas e o câncer, ficando atrás apenas do AVC em impacto na qualidade de vida, ainda seja tão pouco conhecida. Em 2022, mais de 196 milhões de dias de trabalho foram perdidos devido à DPOC, evidenciando seu peso na força de trabalho global. No Brasil, os custos da DPOC são estimados em 240 bilhões de reais por ano, abrangendo despesas com saúde, afastamentos e aposentadorias precoces. Exacerbações graves, muitas vezes relacionadas à continuidade do tabagismo, levam a custos elevados, como o uso de oxigênio suplementar, um tratamento extremamente caro. Além disso, mais de 155% dos beneficiários com DPOC têm entre 40 e 65 anos, o que agrava os prejuízos para a sociedade e destaca a urgência de ações para prevenir e tratar essa doença”, explicou.

O pneumologista também alertou sobre substâncias presentes nos cigarros eletrônicos. “Estes dispositivos contêm mais de 2 mil substâncias químicas, muitas não identificadas. Entre os compostos conhecidos, encontramos produtos altamente tóxicos, como o ácido benzoico, que se transforma em benzeno, um cancerígeno comprovado. Além disso, o propilenoglicol usado para produzir a fumaça libera formaldeído, outro cancerígeno conhecido. Esses produtos não podem ser considerados seguros em nenhuma circunstância”, reiterou.

Para a diretora-geral da ACT Promoção da Saúde, Mônica Andreis, que participou remotamente, “é uma afronta falar em arrecadação por meio de um dispositivo que causa lesões e doenças tão graves. A suposta arrecadação de impostos não cobre nem 10% dos custos do tabagismo no Brasil. Além disso, a experiência internacional mostra que a legalização não impede o comércio ilegal. Nos Estados Unidos, mais de 86% dos cigarros eletrônicos no mercado são ilegais, mesmo com a autorização de comercialização de alguns produtos. Precisamos fortalecer ações de fiscalização, inteligência e cooperação internacional, em vez de ampliar a dependência da nicotina e os danos à saúde”, apontou.

O secretário executivo do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e à Delimitação de Propriedade Intelectual da Senacon, Andrey Lucas, também defendeu que o fato de esses produtos entrarem ilegalmente no Brasil não pode ser o principal argumento para uma eventual liberação. “O debate deve ser mais amplo, principalmente em relação à proteção do consumidor, que é nosso objetivo principal. Hoje, temos um cenário de completa ilegalidade e, por isso, tanto o Conselho quanto a Senacon, em parceria com os órgãos do sistema de defesa do consumidor, têm trabalhado para retirar esses produtos do mercado, com inteligência para identificar os principais atores envolvidos nas rotas ilegais. Sabemos que essas rotas conectam-se a outros ilícitos, e as organizações criminosas especializadas em trazer cigarros e cigarros eletrônicos para o Brasil acabam também disseminando essas práticas para outros tipos de crime”, compartilhou.

Diante dos expostos, a deputada Gisela Simona (União BRASIL) defendeu a proibição e criminalização do uso e comercialização de cigarros eletrônicos, ressaltando ainda a necessidade de responsabilizar a indústria pelos danos históricos causados pelos cigarros convencionais. “Precisamos intensificar os órgãos fiscalizadores no Brasil e proibir o uso dos cigarros eletrônicos. É urgente termos uma legislação rígida de proibição e criminalização da venda desses produtos”, afirmou.

A deputada Flávia Morais (PDT), autora do Projeto de Lei 2158/2024, lembrou os avanços do Brasil no combate ao tabagismo e reiterou os riscos do uso de cigarros eletrônicos entre os jovens. “Somos exemplo para o mundo em relação ao enfrentamento ao fumo. Nosso país implementou campanhas que trouxeram resultados efetivos, reduzindo significativamente o número de fumantes. Hoje, enfrentamos um novo desafio com os cigarros eletrônicos, que são apresentados como uma alternativa inofensiva, mas causam graves problemas de saúde, especialmente entre os jovens. Precisamos, sim, oferecer alternativas econômicas para as famílias que dependem do cultivo do tabaco, enquanto priorizamos a saúde da população”, evidenciou.

Por fim, Paulo Corrêa encerrou o debate com uma crítica à indústria e à dependência gerada pela nicotina. “É uma droga extremamente poderosa, e seu poder de provocar dependência é enorme. A indústria transforma esse vício em lucros extraordinários. Só para ilustrar, o cigarro foi o segundo maior produto em lucratividade no século XX, perdendo apenas para o petróleo. Para quem acha que a nicotina é inofensiva, dados recentes mostram que os nitrosaminas derivadas dela são altamente cancerígenas. Vimos ao longo deste debate que o lucro é privatizado, enquanto os prejuízos são socializados. A saúde pública não pode arcar com os custos dessa dependência enquanto a indústria protege seus interesses nos tribunais. O que precisamos é de responsabilidade e compromisso com a vida”, arrematou.

Não houve nenhuma nova manifestação por parte da indústria do tabaco, além do velho discurso enviesado de que liberar os DEFs seria economicamente vantajoso.

Para a SBPT, liberar um produto comprovadamente nocivo e oneroso para o sistema de saúde é um retrocesso. A prioridade deve ser fortalecer a fiscalização e combater o contrabando.

Por isso, a entidade apoia o Projeto de Lei 2158/2024, da deputada Flávia Morais (PDT/GO), que propõe alterar o Decreto-Lei 2848, de 7 de dezembro de 1940, para classificar como crime contra a saúde pública a fabricação, importação, comercialização, distribuição, armazenamento, transporte e propaganda de dispositivos eletrônicos para fumar. Uma proposta que se opõe ao PL 5008/2023, da senadora Soraya Thronicke (PODEMOS/MS), que visa liberar a produção, importação, exportação, comercialização, controle, fiscalização e propaganda dos cigarros eletrônicos.