Nesta quarta-feira (04/06), a presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Margareth Dalcolmo, participou da Sessão Solene alusiva ao Dia Mundial Sem Tabaco, realizada no Plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília. A iniciativa partiu da Deputada Flávia Morais (PDT-GO), que defende a educação contra os dispositivos eletrônicos nas escolas e a criminalização do comércio e da fabricação desses produtos no país.
Na ocasião, a presidente da SBPT manifestou sua preocupação quanto ao uso dos cigarros eletrônicos, especialmente entre crianças e jovens, que são as maiores vítimas das enganadoras e glamurosas apresentações da indústria do tabaco, e destacou a necessidade de combater o tabagismo de forma abrangente, inclusive dentro do próprio Congresso Nacional, onde há um projeto de lei em tramitação no Senado que busca liberar o comércio desses dispositivos, contrariando a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que, após consulta pública finalizada no início de abril, manteve a proibição dos dispositivos no país.
“Do ponto de vista médico, temos uma enorme preocupação: cigarros eletrônicos causam danos indeléveis ao aparelho respiratório. E hoje, há uma nova doença, regulamentada como CID pela Organização Mundial da Saúde, chamada EVALI, que é o dano causado aos pulmões pelo uso e exposição aos cigarros eletrônicos, com várias mortes já registradas nos Estados Unidos. Houve um momento em que se mostrou em congressos médicos o número de mortes, todas relacionadas a pessoas com menos de 25 anos de idade”, relatou a pneumologista.
Margareth Dalcolmo destacou ainda que os países que inicialmente regularam em prol da comercialização e uso desses dispositivos, hoje percebem que o custo-benefício não é positivo, uma vez que o custo de saúde para tratar essa legião de novos dependentes é muito superior a qualquer arrecadação de impostos.
“Vamos pensar com racionalidade, que é o que deve regular nossas ações e procedimentos pessoais e institucionais. Não é possível arrecadar impostos com algo tão gravemente nocivo à saúde humana como os dispositivos eletrônicos de fumar. A concentração de substâncias viciantes é muito superior àquela que seria eventualmente tolerável, e a faixa etária a que isso é direcionado são crianças e jovens. Estamos, em última análise, produzindo uma legião de novos dependentes que custará ao país, em termos de economia da saúde, muito mais do que qualquer emprego que eventualmente se venha a dar a pessoas que trabalham nas plantações de tabaco. Sabemos que hoje há soluções para esses trabalhadores que podem ser discutidas em outro âmbito. Portanto, nós não aceitamos, medicamente, que esses argumentos deixem de ser discutidos”, arrematou a presidente da SBPT.
Além da Dra. Margareth Dalcolmo e da deputada Flávia Morais, compuseram o dispositivo a deputada Gisela Simona (UNIÃO); o presidente e fundador da Crônicos do Dia a Dia – CDD, Gustavo San Martin; a diretora do Departamento de Análise Epidemiológica e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis do Ministério da Saúde (DAENT/SVSA/MS), Letícia de Oliveira Cardoso; a pneumologista e professora da Faculdade de Medicina da UFG, atualmente responsável pelo ambulatório de tabagismo no Hospital das Clínicas – HC/UFG, Anna Carolina Ferreira; o representante da Aliança do Controle de Tabagismo, Promoção da Saúde – ACT, Luiz André Gomes; e o presidente da Chiesi Farmacêutica, Marco Ruggiero.
Em seu pronunciamento, Flávia Morais lembrou que o tabagismo é o principal fator de risco para o câncer de pulmão e também a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), uma condição progressiva e incurável que afeta os pulmões.
“Como parte da comissão especial de combate ao câncer e da comissão de saúde, tenho acompanhado de perto diversas iniciativas contra o tabagismo que tramitam nesta casa. Recentemente, apresentamos o projeto de lei nº 9.900/2024, que cria o Plano Nacional de Atenção à Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) e inclui diretrizes para a redução do tabagismo. Hoje, também estamos protocolando um projeto de lei que tipifica como crime contra a saúde pública a fabricação e comercialização de dispositivos eletrônicos para fumar, além de incluir ações preventivas nas escolas. Precisamos de um marco legal sólido para combater o tabagismo e fortalecer políticas públicas”, contou a deputada.
Segundo o relatório do Instituto de Educação e Ciências em Saúde (IECS 2023), o tabagismo gera custos médicos diretos ao ano de R$ 67,2 bilhões, o equivalente a 7% de todo o gasto com saúde, R$ 45 bilhões em custos indiretos decorrentes da perda de produtividade devida à morte prematura e incapacidade e R$ 41,2 bilhões relacionados ao cuidador informal. Isto representa para o Brasil perdas anuais de R$ 153,5 bilhões, ou seja, 1,55% do Produto Interno Bruto (PIB).
“Por isso a importância de também falarmos sobre a regulamentação do imposto seletivo e a reforma tributária. Estaremos acompanhando de perto os pareceres para tratar adequadamente da tributação das indústrias que produzem produtos nocivos à saúde. Essas indústrias precisam ser mais oneradas para desestimular a produção de cigarros”, afirmou a parlamentar.
Em consonância com as falas que antecederam, a diretora do Departamento de Análise Epidemiológica e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis do Ministério da Saúde (DAENT/SVSA/MS), Letícia Cardoso também enfatizou o impacto significativo do tabagismo na saúde pública. “Ele representa o principal fator de risco para as doenças crônicas não transmissíveis, que causam cerca de 760 mil mortes anuais em nosso país. É como se enfrentássemos uma pandemia de COVID-19 todos os anos devido a essas doenças”, frisou.
Segundo a diretora, com a proibição do uso de cigarros em ambientes fechados, campanhas de informação para a população e a taxação do tabaco, o número de fumantes no Brasil seguia em queda. No entanto, desde 2019, a redução se estabilizou. “O que está acontecendo? A introdução de dispositivos eletrônicos para fumar. Atualmente, cerca de 2 a 3% dos adultos brasileiros que residem em capitais utilizam esses dispositivos. Entre adolescentes de 13 a 17 anos, esse número sobe para aproximadamente 20%”, respondeu a diretora.
Diante desse cenário, a participação do Poder Público e o engajamento da sociedade na luta antitabagista são essenciais para que o Brasil permaneça na rota correta. Crianças e adolescentes são os principais alvos da indústria do tabaco. Tanto é que a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o tabagismo uma doença pediátrica, já que a maioria dos fumantes se torna dependente até os 19 anos.
“Argumentos econômicos e afirmações de que esses produtos são menos nocivos não podem prevalecer. A população precisa ser informada de que esses produtos são prejudiciais. E o Ministério da Saúde está comprometido com essa missão e continuará trabalhando para proteger a saúde pública”, concluiu Letícia Cardoso.
Deputados como Chico Alencar (PSOL- RJ), Dorinaldo Malafaia (UNIÃO) e Erika Kokay (PT-DF) também acompanharam o evento de perto. A deputada, inclusive, pediu a palavra.
“Como ex-fumante que enfrentou um câncer e um infarto causados pelo tabagismo, posso afirmar com certeza: sei como é sentir o cheiro da vida de forma muito mais intensa, livre do tabaco. A dependência da nicotina provoca uma alteração na nossa condição básica de humanidade: a consciência de nossa própria vida e a capacidade de sermos sujeitos de nossa própria existência. A dependência da nicotina modifica as vontades, aprisionando as pessoas e as mantendo sempre ameaçadas por essa dependência. Ela gera um nível de tensão que se contrapõe à antiga crença de que o cigarro traz tranquilidade ou está associado ao empoderamento feminino e à liberdade. Essas são construções enganosas, pois a dependência de nicotina aprisiona a vontade e determina várias ações no dia a dia das pessoas”, compartilhou Kokay.
Para ela, a desonesta flexibilização que tenta associar os cigarros eletrônicos a uma ausência de danos à saúde e à liberdade nem deveria ser permitida. E reiterou que o debate de políticas públicas deve buscar uma ação concreta.
“Precisamos de uma taxação seletiva para produtos como o tabaco, que causam tanto mal à saúde, em diversas esferas. Aqueles que argumentam que a taxação seletiva do tabaco diminuirá empregos e a arrecadação do Estado ignoram o fato de que nada é mais importante do que a própria vida. Precisamos de políticas concretas que se reflitam em ações preventivas, para evitar o elevado número de mortes evitáveis, que segundo dados, chegam a 162 mil pessoas no Brasil. Estamos falando do aprisionamento das almas pela sanha mercadológica e a mão invisível do mercado, que muitas vezes mostra sua rudeza e crueldade de forma bem visível. Essa força não pode continuar invadindo corpos e aprisionando almas. Precisamos de uma reforma tributária que esteja sustentada em três pilares: ser justa, ser saudável e sustentável”, finalizou a deputada.
A Sessão Solene na Câmara dos Deputados sinaliza o comprometimento da Casa na mobilização contra o tabagismo e pela proteção das crianças contra a interferência da indústria do tabaco, reforçando ainda mais a importância da colaboração entre a sociedade civil e autoridades para implementar políticas eficazes em defesa da saúde pública.
E a SBPT estará sempre presente, atuando em todas as frentes possíveis, em prol da saúde respiratória dos brasileiros.