Fechar

Busca no site:

Comunicado da SBPT sobre a aquisição da Vectura pela Philip Morris International

O cigarro e outras formas de consumo do tabaco/nicotina são responsáveis, anualmente, por 8,71 milhões de óbitos no mundo, principalmente por doenças respiratórias, circulatórias, cardiovasculares e neoplásicas. A produção do tabaco se concentra em países pobres, utiliza mão de obra infantil, perpetua um ciclo de vulnerabilidade e dependência econômica patológica entre produtores (geralmente pequenos), polui e diminui área agriculturável para alimentos.

Não há guerra em que metade dos soldados envolvidos tenham morrido, mas metade dos fumantes morrerão por doenças relacionadas ao tabaco, sendo que os tabagistas poderão ter a sua vida abreviada em uma década. O adoecimento se manifesta também na perda da capacidade laboral, restrição às atividades sociais e familiares e progressiva incapacidade de realização de atividades da vida diária.

Com o avanço na implementação de medidas de controle do tabagismo no mundo, os grandes fabricantes passaram a migrar para outros nichos de mercado, como o de cigarros eletrônicos e aquecidos, insistindo na manutenção do comércio da nicotina e ampliação da sua base de nicotino-dependentes.

A indústria do tabaco vem ampliando sua área de atuação ao longo dos anos, sendo que a Philip Morris já atua há muitos anos no ramo de produtos alimentícios. A chamada estratégia “além da nicotina” é a face mais nova da diversificação da indústria citada.

Detentora de uma fatia de pelo menos 12% das vendas globais de cigarros no mundo, a Philip Morris finalizou no início de setembro a negociação da aquisição de 22,6% das ações da empresa Vectura, uma das maiores desenvolvedoras e fabricantes de dispositivos inalatórios (“bombinhas”) destinados à administração de medicamentos para doenças respiratórias como a asma e a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).

Diante deste contexto, vale lembrar que a principal causa da DPOC é o tabagismo. A doença é responsável por 3,2 milhões de óbitos no mundo a cada ano. Isso significa que, de uma forma moralmente abjeta, a PMI lucrará na venda do cigarro e no tratamento dos pacientes que adoeceram por causa dele.

Além disso, os dispositivos inalatórios também poderão ser utilizados para a dispensação mais rápida e eficaz de nicotina, ampliando o rol de apresentações desta droga e, potencialmente, escapando de políticas de controle do tabagismo.

Segundo o Prof. Jonathan Grigg, presidente do Comitê de Controle do Tabaco da Sociedade Europeia de Doenças Respiratórias (ERS), “há uma grande preocupação entre a comunidade de saúde sobre a aquisição da Vectura pela empresa de tabaco Philip Morris International. A PMI tem uma história bem comprovada de minar as políticas de controle do tabaco para seu próprio ganho financeiro, de conduzir campanhas de marketing voltadas para crianças e de manipular pesquisas para lançar dúvidas sobre os danos causados ​​pelo uso de produtos de tabaco”. A SBPT endossa o posicionamento da European Respiratory Society (leia aqui a carta na íntegra em inglês).

Como se a participação acionária não fosse suficiente, a Philip Morris anunciou uma oferta pública à aquisição de participações dos acionistas minoritários da Vectura, mirando em se tornar a controladora estratégica da empresa. Nesta última quinta-feira (9/9/2021), a PMI anunciou ao mercado que já havia assegurado não menos de 74,8% das ações da Vectura, tornando-se de fato a sócia majoritária.

O que o profissional da saúde pode fazer?

A Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT) é o primeiro tratado internacional de saúde pública do mundo (redigido e promovido sob os auspícios da Organização Mundial de Saúde). O Brasil e mais 167 nações são signatárias da CQCT. O documento manifesta preocupações com as práticas desleais da indústria do fumo, no sentido de “minar ou desvirtuar as atividades de controle do tabaco” e insere entre suas obrigações gerais (artigo 5.3) a seguinte redação:

“Ao estabelecer e implementar suas políticas de saúde pública relativas ao controle do tabaco, as Partes agirão para proteger essas políticas dos interesses comerciais ou outros interesses garantidos para a indústria do tabaco, em conformidade com a legislação nacional”.

Assim, em observância aos ditames da CQCT e aos princípios éticos da benevolência, da não-maleficência, da autonomia e da justiça, norteadores da boa prática médica, nós, da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, em carta aberta, deixamos claro nosso repúdio a este movimento em que um ente privado com fins lucrativos, detentor da fabricação e beneficiário direto e maior do comércio do produto responsável pela maior causa evitável de mortes no mundo, anuncia-se também como o desenvolvedor de dispositivos inalatórios utilizados no tratamento das doenças causadas e agravadas pelo cigarro.

Mais além, propomos um amplo debate sobre estender à Vectura (e seus pesquisadores) o banimento de publicações e participação em congressos que já se aplica à indústria do tabaco e conclamamos que as empresas que utilizam estes dispositivos a se manifestarem e a buscarem alternativas de substituição dos dispositivos desenvolvidos pela Vectura.

Sabemos a dimensão e complexidade destas ações, inclusive com grandes repercussões aos programas de dispensação de medicamentos do Ministério da Saúde e das Secretarias de Estado da Saúde de diversas Unidades da Federação, mas não podemos contribuir com o enriquecimento da indústria do tabaco às custas do tratamento dos nossos pacientes.

Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia – 16/09/2021

Diretoria SBPT biênio 2021-2022 e Comissões Científicas de Tabagismo, Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), Asma e Câncer de Pulmão.

Clique aqui para baixar este comunicado.