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Pneumologistas apontam falhas graves nos estudos que defendem o cigarro eletrônico como terapia para parar de fumar

Segundo os especialistas, as pesquisas que comparam dispositivos eletrônicos de fumar (DEFs) com outros métodos de cessação do tabagismo têm problemas de metodologia e execução.

Por exemplo, o artigo “Electronic cigarettes for smoking cessation” (Hartmann-Boyce et al., 2021), publicado pela Cochrane Library, grupo que realiza revisões sistemáticas da literatura médica, causou indignação entre profissionais da saúde ao sugerir que “há evidência moderada de que cigarros eletrônicos com nicotina aumentam as chances de parar de fumar, se comparado aos métodos de reposição de nicotina e aos cigarros eletrônicos sem nicotina”.

Na revisão, os autores relatam ter analisado 78 estudos. No entanto, apenas seis pesquisas foram consideradas para chegar a essa conclusão. Uma delas e a que mais contribuiu para a conclusão final da Cochrane é “A Randomized Trial of E-Cigarettes versus Nicotine-Replacement Therapy” (Hajek, 2019), um dos artigos mais acessados no primeiro semestre de 2019 do New England Journal of Medicine (NEJM). O autor, Peter Hajek, inclusive, participou da revisão publicada na Cochrane.

Os pneumologistas membros da Comissão Científica de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) alertaram para os problemas e vieses do artigo de Hajek. “Os pesquisadores não garantiram que cada grupo aderisse a apenas um dos métodos e houve uso dual. Os gerenciadores de apoio comportamental sabiam em quais grupos os pacientes foram alocados. Além disso, a taxa de abstinência no grupo que utilizou Terapia de Reposição de Nicotina foi de 9,9% em um ano, o que é metade das taxas que normalmente são encontradas”, observou o coordenador da Comissão de Tabagismo da SBPT, Dr. Paulo Corrêa.

De acordo com o especialista, a ciência já comprovou que nenhum tipo de cigarro eletrônico ajuda quem está tentando parar de fumar. Na revisão sistemática e meta-análise E-cigarettes and smoking cessation in real-world and clinical settings: a systematic review and meta-analysis (Kalkhoran e Glantz, 2016), publicada na revista científica The Lancet Respiratory Medicine, pessoas que tentaram parar de fumar cigarro convencional utilizando cigarros eletrônicos tiveram 28% menos chance de sucesso do que os que não utilizaram esses dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs).

Mesmo assim, a indústria do tabaco utiliza a estratégia de apresentar os DEFs como soluções “mais saudáveis” para o tabagismo, buscando maneiras de aliciar os adictos, normalizar o fumo em todos os locais novamente e manter os usuários em um estado chamado de “pré-contemplação”, que acontece quando eles desistem de se preocupar com os danos à saúde e param de pensar em parar de fumar.

“Eu fumava cigarro apenas quando consumia álcool. Comecei a fumar vapes descartáveis para tentar parar, acreditando que eles não tinham as substâncias químicas ruins do cigarro, afinal, não deixam cheiro na roupa, na mão, no ambiente”, relatou a jornalista Marina Paschoalli, de 32 anos. “Em um mês de uso, eu já estava fumando o vape todos os dias. Como não deixa cheiro, eu fumava dentro de casa. Percebi que estava viciada quando comprei um vape sem nicotina e, um dia depois, tive a necessidade de fumar outro com nicotina”, complementou a jovem.

“Os cigarros eletrônicos são cigarros e, portanto, oferecem os mesmos riscos de causar mais de 60 tipos de doenças, respiratórias, cardiovasculares, circulatórias e neoplásicas. Há, ainda, um agravante, que é o fato de não conhecermos quais são as substâncias presentes na fumaça dos DEFs (sim, é fumaça e não vapor) e qual é a quantidade de cada componente, por não haver transparência por parte das fabricantes”, alertou o Dr. Paulo Corrêa.

“Uma pesquisa recente – Characterizing the Chemical Landscape in Commercial E-Cigarette Liquids and Aerosols by Liquid Chromatography-High-Resolution Mass Spectrometry (Tehrani, 2021), publicada na Chemical Research in Toxicology, revelou que há quase 2 mil substâncias nos cigarros eletrônicos (a maioria, desconhecida), incluindo a cafeína, nunca antes apresentada na forma inalada. Sem contar os danos do próprio filamento aquecido dentro desses dispositivos, que libera metais pesados, como o níquel, cancerígeno grau 1 classificado pela International Agency for Research on Cancer (IARC)”, explicou o pneumologista.

Ele chamou a atenção também para os casos de síndrome respiratória aguda grave específica dos cigarros eletrônicos, a EVALI – E-cigarette or vaping use associated lung injury – e para os riscos de explosão, próprios desses aparelhos.

Por fim, o especialista recomendou cautela ao ler e compartilhar informações sobre dispositivos eletrônicos de fumar (DEFs), já que se trata de um assunto muito recente do ponto de vista científico. “A indústria do tabaco já tentou introduzir ‘cigarros light’, com menor teor de alcatrão e nicotina, como uma solução ‘eficiente e prática’ para ‘parar de fumar fumando’. Mais recentemente, a indústria adotou esse mesmo discurso com outro nome, ‘redução de danos’, se apropriando de um termo que significa outra coisa para lançar mais uma de suas estratégias e auferir lucros. O que eles querem, afinal, é não perder consumidores”, advertiu o Dr. Paulo Corrêa.

O tratamento de cessação de tabagismo é conduzido pelo médico, geralmente pelo pneumologista, com ou sem o concurso de profissionais de saúde mental. São utilizadas técnicas e abordagens comprovadamente eficientes e embasadas pela medicina baseada em evidências, como a abordagem cognitivo-comportamental, entrevista motivacional, os medicamentos de primeira linha (como a terapia de reposição da nicotina –TRN – e o bupropiona), técnicas de manejo de fissura e de prevenção de recaída. A combinação das técnicas e o tempo de tratamento serão definidos pelo médico conforme o perfil de cada paciente.

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